Assim como o desmatamento e as queimadas, o tráfico de animais é uma das principais causas da perda de biodiversidade que levam ao aquecimento global e às mudanças climáticas. Espécies silvestres desempenham papéis cruciais nos ecossistemas, e a retirada de indivíduos da fauna pode desestabilizá-los, aumentando ainda mais os efeitos do aquecimento global e das alterações do clima em diversas regiões do planeta. Polinizadores e dispersores de sementes, como as aves, são fundamentais para a reprodução da diversidade de plantas de cada bioma. A ausência de espécies nativas pode prejudicar a regeneração das florestas e diminuir a capacidade dos ecossistemas de absorver carbono. Da mesma forma, a extinção local de predadores ou herbívoros resulta na superpopulação de determinadas espécies, alterando a estrutura da vegetação e afetando a estabilidade dos ecossistemas.

O tráfico de vida selvagem no Rio Grande do Sul afeta desproporcionalmente algumas espécies, levando a um desequilíbrio ecológico significativo. A jaguatirica é uma das espécies mais atingidas. Sua remoção do ambiente natural resulta em um aumento descontrolado nas populações de roedores, afetando a vegetação e a estabilidade do solo. O tatu gigante também tem sofrido com a caça para carne e conchas, reduzindo a capacidade das florestas de se regenerarem, ainda mais agravada pela monocultura de soja e eucalipto. Também várias espécies de psitaciformes, como o papagaio comum, a amazona-de-peito-vináceo e a amazona-de-testa-azul enfrentam declínio populacional na região Sul do país devido à demanda dessas aves como animais domésticos ou pets.

O tráfico de animais também intensifica a fragmentação de habitats, uma vez que a perda de conectividade entre áreas naturais, combinada com as mudanças climáticas, impede que as espécies migrem para habitats mais adequados à medida que os seus ambientes originais se tornam inabitáveis.

Além disso, muitas espécies já ameaçadas pelas mudanças climáticas tornam-se duplamente vulneráveis devido ao tráfico. Mudanças na temperatura e precipitação alteram os padrões de distribuição e comportamento das espécies, tornando-as mais suscetíveis à captura. A diminuição dos recursos naturais causada pelo aumento da temperatura do planeta e mudanças nos padrões alimentares deixa os animais mais expostos e vulneráveis.

A conexão entre o tráfico de animais e as mudanças climáticas não é secundária nesse cenário que estamos enfrentando. É crucial proteger os corredores ecológicos para permitir a migração das espécies e reduzir a demanda por animais traficados através de campanhas educacionais. O reforço da legislação também é necessário para combater efetivamente o tráfico e o comércio ilegal.

Nesse sentindo, o tráfico silvestre também representa uma ameaça significativa à biodiversidade e ao equilíbrio ecológico no Rio Grande do Sul e em todo o Brasil. Esse comércio ilícito perturba os ecossistemas naturais e tem consequências de longo alcance para as comunidades e economias locais. A remoção de predadores naturais, como jaguatiricas e onças, leva a um aumento descontrolado de certas presas, como roedores, afetando a vegetação e a estabilidade do solo. A ausência das aves dispersoras de sementes e polinizadores perturba os ecossistemas florestais, prejudicando a cobertura vegetal e tornando o solo mais suscetível à erosão e inundações.

Os traficantes frequentemente também destroem áreas florestais para capturar animais. Esse desmatamento ainda que menos aparente reduz a capacidade da floresta de reter água da chuva, aumentando o risco de inundações. A perda de espécies-chaves e a fragmentação do habitat podem alterar significativamente o ciclo hidrológico. As florestas aumentam a infiltração de água no solo, mas a fragmentação do habitat reduz essa capacidade, levando a inundações mais graves. Pântanos e florestas atuam como esponjas naturais que retêm água, mas sua remoção diminui a capacidade do ecossistema de absorver água, agravando as inundações.

O tráfico de vida selvagem ainda agrava a situação de vulnerabilidade das populações locais. As comunidades tradicionais tornam-se mais vulneráveis à medida que suas fontes de subsistência diminuem. A degradação ambiental prejudica o turismo, uma fonte de renda crucial para muitas famílias. O comércio ilegal de vida selvagem também aumenta o risco de zoonoses e outras doenças. Animais traficados podem transportar patógenos que representam risco à saúde humana.

Vale lembrar que doenças como Ebola e COVID-19 tiveram origem no comércio de animais silvestres. A disseminação de doenças pode dizimar populações já enfraquecidas, causando efeitos cascata nos ecossistemas. Certos animais desempenham papéis críticos no ciclo do carbono. Aves e mamíferos herbívoros, como tucanos e coelhos, controlam a vegetação e, consequentemente, a quantidade de carbono armazenada nos ecossistemas. O tráfico desses animais reduz essas populações, afetando a capacidade dos ecossistemas de capturar e armazenar o carbono.

A tragédia no Rio Grande do Sul nos ensina que é essencial olharmos para as mudanças climáticas em curso e todas as suas causas. E uma delas é a violação da vida silvestre. É essencial que reforcemos a regulamentação, aumentando as penalidades contra o tráfico de animais silvestres no Brasil.  Também faz parte desse processo sensibilizar as comunidades locais sobre a importância da conservação da fauna silvestre e da garantia de vida aos animais sobreviventes.

O tráfico de animais e as mudanças climáticas formam um ciclo vicioso que ameaça a biodiversidade global. Para quebrar esse ciclo, é crucial abordar ambos os problemas simultaneamente, promovendo a conservação de espécies, mitigando os impactos climáticos e combatendo o tráfico ilegal de animais. A educação, a reintrodução de espécies e o reforço da legislação são fundamentais para proteger a biodiversidade e reduzir os riscos à saúde pública.

 

Manuella Soares, Jornalista e Mestre em Educação, Gestão e Divulgação em Biociências.

 

Fontes:

WWF. Impactos do tráfico de animais no Brasil. 2020.

ICMBio. Espécies ameaçadas e tráfico de animais no Rio Grande do Sul. 2019.

TRAFFIC. Wildlife Trade and Climate Change in South America. 2021.